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Os  embalos  de  sábado  à  noite

Por Ana Carolina, Lucas Duarte, Michelle Martins, Naíne Fernandes e Tuany Nathany 

Sábado, oito horas da noite. O clima quente convida para uma cerveja com os amigos. Eduardo Chiarelli, 30, de banho tomado, cabelos e barba penteados, gel aplicado e perfume borrifado se prepara para a diversão. Pronto! O designer e diretor de arte abre a porta de sua casa e, voilà, seus parceiros já estão no hall do apartamento esperando para a noite do pôquer.

Animados, os jogadores entram e cumprimentam o anfitrião e sua esposa, Carla Jeanine, 24, que já deixou tudo preparado para as partidas. Diferente da maioria dos jovens entre 15 e 29 anos que preferem realizar atividades de lazer fora de casa, como aponta a pesquisa da Secretaria-Geral da Presidência da República (2014), divulgada pelo jornal Estado de S.Paulo, Chiarelli, sua mulher e seus amigos se enquadram nos 44% que optam por passar os fins de semana em seus lares.

Ir a estádios, frequentar barzinhos e restaurantes são programas feitos pelo casal, porém, com menor assiduidade. Segundo o designer, ficar em casa, além de ser mais econômico, agrada a todos. “É costume dos amigos se reunirem em casa. É mais confortável e cômodo”, explica.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para a psicóloga Luisa Conrado, a crise econômica é um fator externo que leva as pessoas a escolherem programas caseiros. Porém, também podem existir razões internas, como falta de vontade de conhecer pessoas novas, cansaço da semana e atividades desinteressantes. “Além disso, vivemos em uma época onde há uma disponibilidade muito grande de séries e filmes online, o que incentiva as pessoas a ficarem no seu lar”, afirma Conrado.

Nem mesmo a praia é capaz de atrair quem gosta de ficar em casa. Tiago Souza, 30, morador de Serra, no Espírito Santo, troca o sossego do mar pelo silêncio de seu quarto, onde pode ler, assistir filmes, séries e jogar vídeo games. “De vez em quando, também vou para a cozinha fazer alguma receita”, comenta.

O jovem capixaba confessa gostar de ir ao cinema, fazer caminhada e passear no shopping uma vez ou outra, mas prefere o aconchego da sua residência. “Pessoas já me perguntaram se eu não ‘enlouqueço’ por gostar de ficar em casa. O que é uma grande bobagem. Talvez eu veja problema é nas pessoas que não têm costume de ficarem sossegas em um canto seu”, diz.

Caseiros e conectados

Assim como Tiago, outros jovens preferem ficar em casa navegando pela internet. Além de interagir por meio de redes sociais e aplicativos de relacionamento. Mas, ao contrário do que os pais costumam dizer, as tecnologias não atrapalham a socialização dos jovens, apenas modificam a forma de se comunicar.

“Antes, as pessoas saíam muito para conhecer outras, paquerar. Isso foi substituído, em parte, pelos aplicativos de encontro, por exemplo. Há quem defenda o ponto de vista que as redes sociais afastam as pessoas. Mas podemos também pensar que o contato é maior, só que não pessoalmente”, afirma a psicóloga.

Conrado complementa que as redes sociais contribuíram para diminuir o preconceito sobre os indivíduos que não gostam de sair. Criou-se uma filosofia de normalização do ‘ser caseiro’. “Na internet, passou a haver um movimento de expor que ficar em casa aos finais de semana e dormir é absolutamente aceitável, então as pessoas optam por descansar e não se preocupam com isso”, diz.

 

 

Dados da pesquisa da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Sescom), divulgada em dezembro de 2016, mostram o comportamento das pessoas com a tecnologia.

Segundo a Sescom, aos finais de semana, 29% dos brasileiros ficam entre duas e cinco horas na internet e 26% passam mais de cinco conectados. Do total de entrevistados para o estudo, 65% afirmam usar o computador como primeira ou segunda opção de meio para acessar a rede, perdendo apenas para o celular (91%).

Comportamento distinto

De acordo com a psicóloga, existem dois tipos de personalidades, as extrovertidas e introvertidas, e as pessoas costumam criar estereótipos em torno dessas características. “Temos o mito que o extrovertido é uma pessoa alegre e o introvertido, tímido, como se um fosse melhor que o outro”, diz.

Para Conrado, a extroversão e a introversão são formas de as pessoas lidarem com os fatos e sentimentos que lhe ocorrem. “Pessoas introvertidas geralmente precisam de mais tempo sozinhas para organizar sua lógica interna, o que não quer dizer que isso não aconteça nos dois tipos”, explica.

A psicóloga diz, ainda, que esse pode ser um dos motivos que levam alguns a adotarem um estilo de vida mais caseiro. “A vontade de ficar em casa nos finais de semana pode vir dessa necessidade de estar consigo, ter um tempo sem as demandas de ninguém”, afirma.

Outro ponto que vale ressaltar, segundo Corado, é a dificuldade nas relações. Muitos ficam em casa por não se sentirem bem com sua imagem, sem esperança de conhecer alguém legal ou simplesmente não terem companhia. É o caso de Tiago, que tem um estilo de vida diferente dos demais jovens da sua idade. “Eu não gosto de beber e não sei dançar para ir a boates. Então, não vejo problema em ficar em casa”, diz o capixaba.

 

Em tempos de crise

 

Com o número de desempregados ultrapassando os 14 milhões, até mesmo Tony Manero, o icônico personagem de John Travolta, trocaria suas noites dançantes no clube noturno Odisseia 2001 por uma maratona de “Ela dança, eu danço” na Netflix.

 

A pesquisa nacional da Boa Vista de Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC) aponta que o lazer fora de casa foi o principal alvo no corte de gastos dos consumidores, quase 40%. A pesquisa mostra, ainda, que as classes A/B foram as que mais reduziram as despesas com esse serviço (62%).

 

De acordo com a especialista em comportamento do consumidor, Silvania Carvalho, a crise sem dúvidas afeta o lazer das pessoas. Ela explica que isso ocorre, pois a capacidade de compra é afetada. “Sendo que muitos chegam a conviver com o desemprego”, afirma.

 

A especialista informa que isso ocasiona uma mudança no comportamento do consumidor. “Muitas vezes, há inadimplência de cotas de clube, TV por assinatura, cortes de idas a restaurantes e viagens”, expõe.

 

Esse contexto de crise acabou afetando uma jovem que tinha como paixão as baladas de sábado à noite. A estudante Daniela Souza, 21, que tinha fobia de passar sequer um final de semana em casa, hoje prefere os filmes, livros e o descanso. Ela conta que por ter muitos gastos com os estudos e o cansaço acumulado, acabou abrindo mão da maioria das suas saídas.

 

Outro ponto que Silvania ressalta é que, a partir da crise, o consumidor começa a perceber o seu entorno, passando a pensar no que pode usufruir de uma forma gratuita. Para Daniela, os programas mais baratos ou até mesmo gratuitos, podem ser a melhor alternativa. “Não deixei de sair totalmente, mas agora quando saio, tento optar por programas mais alternativos, econômicos, que não alterem tanto o meu orçamento”.

Eduardo (no canto inferior direito de boné) com seus amigos de pôquer na sala de sua casa. Foto: Arquivo pessoal

Peças do pôquer posicionadas sobre a mesa de Eduardo. Foto: Arquivo pessoal

Crédito: Imagem da internet

Crédito: Imagem da internet

Entretanto, apesar desses fatores, também existem pessoas que fazem o movimento inverso. Como é o caso do estudante Gustavo Valim, 20. Quem o vê nas baladas, sorrindo e flertando não imagina o quão caseiro era. Segundo ele, só de imaginar sair aos finais de semana já lhe causava arrepios. “Preferia o conforto da minha casa à agitação noturna das ruas. Eu fazia uma panela de brigadeiro e ficava assistindo filmes ou lendo algum livro”, lembra.

 

Porém, isso mudou quando o estudante de história ingressou na faculdade. Segundo ele, seu grupo de amigos é formado por pessoas que saem bastante. Ele confidencia que era muito chato ter de ouvi-los contar sobre seus passeios, além de se sentir um pouco excluído. “Faziam parecer tão divertido que não resisti e experimentei sair”.

 

O estudante gostou da experiência. Contudo, o jovem mora em Carlópolis, cidade pequena do interior do Paraná, na qual não há muitas opções de lazer. A situação piora quando o assunto é balada LGBT, sendo que a mais próxima fica a cerca de 80km de sua casa.

Gustavo dançando em uma festa temática. Foto: Arquivo pessoal

Gustavo com seus amigos em uma balada. Foto: Arquivo pessoal

Afinal de contas, o que é lazer?

De acordo com o professor Rafael Frois, mestre em Estudos do Lazer pela UFMG, conceituar e explicar as práticas culturais de lazer das sociedades contemporâneas é um tema que desafia os pesquisadores em diversos campos.

O professor explica que, em geral, os sociólogos e antropólogos pensam o lazer na dicotomia tempo de obrigação versus tempo disponível. Ele apoia-se em um conceito diferente, apresentado pela pesquisadora Christianne Luce Gomes, que compreende o lazer como uma necessidade humana e dimensão da cultura caracterizada pela vivência lúdica de manifestações culturais no tempo/espaço social.

O lazer abrange atividades que podem ser praticadas individualmente ou em coletivo e que mudam de acordo com as transformações da sociedade. Hoje, segundo Frois, estamos em um contexto globalizado de homogeneização da cultura e das práticas de consumo e o que se pode dizer é que o lazer é parte fundamental da vida social.

É o caso de Fernanda Mesquita, 25,  e Tales Valias, 27. Aos finais de semana, o casal prioriza ficar em casa com a família, os amigos ou a sós. Quando estão juntos em seu lar, os dois fazem as mesmas atividades, pois compartilham os mesmos passatempos.

Além da diversão

Como Frois ressalta, uma pessoa sem lazer terá dificuldades em buscar a felicidade. Entretanto, para o pesquisador, é necessário perceber que o lazer está inserido na problemática urbana de uso do tempo e possui um viés de geração de oportunidades econômicas. “Não podemos nos esquecer de que vivemos em uma sociedade desigual e que várias pessoas não têm condições de usufruir deste lazer formatado pelos homens de negócios”, pondera.

As oportunidades precisam estar colocadas de forma justa para os grupos na sociedade, de maneira que as classes tenham igual acesso. “Cabe ao Estado corrigir esta distorção e criar possibilidades de lazer que não levem em consideração a mercantilização da prática, pois em tempos de crise econômica os seguimentos populares ficaram ainda mais excluídos”, afirma.

Frois lembra que o crescimento das cidades associado ao aumento da criminalidade fez com que um determinado público e classe social optasse por desfrutar o tempo livre em locais considerados mais seguros. Nesse sentido, as pessoas têm priorizado locais privados para fruição das práticas de lazer.

Segundo o professor, no Brasil, o assunto não é discutido com a importância que requer. “Infelizmente, a sociedade brasileira ainda tem uma carga de herança cultural preconceituosa com o tempo livre e o tempo do não trabalho. Por consequência, o desenvolvimento de programas de lazer não é prioridade nas gestões, além de também contar com pouco recurso nas dotações orçamentárias”, explica.

O pesquisador reitera que “as políticas de segurança pública atreladas ao lazer podem apresentar as crianças e jovens outras possibilidades de construção de seus projetos de vida, no esporte, na cultura, em contraposição a um projeto fácil e sedutor que é o crime”.

Confira abaixo as fotos que nossos leitores enviaram via Facebook sobre seus programas preferidos aos sábados à noite.

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